CARTA AO MUNDO



A QUEM ENCONTRAR ESTA CARTA,

não importa quem ou quando, leiam-na.
Sou louca por pedir isso, mas há anos que vivo num Mundo paralelo, em que o nome e o tempo não contam.
Escrever é uma boa terapia e é mais fácil viver nas minhas histórias do que contemplar as paredes brancas do hospital.
Ás vezes, vou até ao jardim, mas a enfermeira vem sempre comigo e eu aborreço-me com a sua presença controladora.
Há quantos anos estou cá? Não sei... Porquê? Também já não me lembro; sei que tive um marido e uma filha e que um dia deixaram-me aqui. Sem qualquer explicação...
A minha doença é um nome complicado que nunca fixei e com os anos, tornou-se tão parte de mim que não sei onde está o “eu” pessoa e o “eu” doente.
E é o que eu procuro – a minha identidade como pessoa. Aqui sou um número, uma cama na enfermaria, um lugar na fila para o refeitório.
Por isso, é que peço que leiam a carta e me ajudem a saber quem fui.
Onde nasci, onde vivi e o que aconteceu para me prenderem aqui.
Leiam também as minhas histórias, vejam os meus desenhos; talvez encontrem alguma pista...
E mostrem-me o Mundo... Contem-me como é o Mundo lá fora...


TELA DE LIU YARNING

Publicado na Colectânea "Cartas" organizada pela Editora "Lua de Marfim"
em Março 2014

Comentários

Ailime disse…
Boa noite Marta, deixou-me emocionada!
Um carta que só uma alma poética e muito sensível poderá ter escrito!
O mundo cá fora anda cada vez mais virado do avesso e com menos coisas interessantes para mostrar, principalmente no que respeita aos valores!
Um beijinho,
Ailime
Daniel Costa disse…
Marta, a carta foi escrita com lucidez. Leva muito a crer mais, ser uma peça escrita por que percebe de literatura, do doente permanentemente, hospitalizada.
Pelo menos na atualidade.
Beijos
Pérola disse…
Arrepiante!

carta verdadeira ou fantasia do eu poético?

beijinhos
Sofá Amarelo disse…
O Mundo continua lá fora, mesmo quando todas as janelas se fecham e as histórias são complicadas de contar, embora urgentes de ler... há mundos paralelos nas cartas que ficam por divulgar...
Nilson Barcelli disse…
Uma carta que poderia ser escrita por muita gente.
E consegues tocar quem a lê.
Gostei imenso.
Tem um bom fim de semana, querida amiga Marta.
Beijo.

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